Ética afrocatólica e o espírito brasileiro (ou por quê falta engajamento à Web social brazuca)

Como toda pesquisa de mestrado, a minha tem tomado rumos alheios à vontade inicial do autor —e tem caminhado, neste momento, para as motivações da colaboração, ou do CGU (Conteúdo Gerado por Usuário). E para continuar a saudável discussão com o Webmanário, tentarei argumentar nas próximas linhas as razões que me levam a crer que as redes sociais, especialmente as voltadas à geração colaborativa de conteúdo, ainda precisam amadurecer no Brasil.

O estudo da New Scientist a que o professor Alec Duarte se refere é bastente revelador —e dá números a um assunto normalmente cercado de achismos. Dizer que a Wikipedia foi mais rápida que os órgãos oficiais como Cruz Vermelha ou Bombeiros em casos como o de Virginia Tech é realmente impressionante e, concordo, condiz com o potencial das redes sociais na construção coletiva de conteúdo. O que dizer, então, do Youtube, site que acolheu os primeiros registros em imagem do tiroteio, e que foi fonte de todas as grandes redes de TV norte-americanas?

Mas nesta semana andei lendo Ernesto Guevara, e como é bom conversar com a parte do mundo ainda não indexada… lembrei que ficar conectado o tempo inteiro, e tão perto das “fontes oficiais de informação” da “Web 2.0“, pode deixar a visão um pouco enviezada. Otimista demais, ou talvez simplesmente descolada da realidade de um país cujas pessoas têm formação e pontos de vista um pouco diferentes.

Explico: a New Scientist aborda estudos de caso norte-americanos. E será que usamos a rede como eles? Será que nos apropriamos desta tecnologia da mesma forma, com os mesmos intuitos, com a mesma destreza ou os mesmos objetivos?

Minha aposta é que não. E minha hipótese está no título deste post —e de um possível livro com ares sociológicos que espero escrever quando crescer. O internauta brasileiro é muito menos ativo na criação de conteúdo que o norte-americano (e aqui, quero dizer criação e apuração, não meramente opinião ou reprodução, e não sou só eu que penso assim). Os argumentos que sustentam a hipótese vão além da Web, são sociológicos (e aqui, desculpem-me os diplomados, entra meu lado palpiteiro):

  • A cultura protestante do Norte estimula mais a ação no mundo que a cultura afrocatólica do Sul. Isso faz com que o brasileiro tenha muito menos estímulo a (re)criar sua realidade e tenda a aceitá-la, agradecendo (e/ou acusando) às forças superiores, quaisquer que sejam, por isso;
  • A culpa e a submissão católicas, aliadas ao pragmatismo utilitarista da religiosidade africana muitas vezes paralisa o brasileiro, torna-o impotente contra o mundo de fato, obriga-o a apelar (ou esperar) por soluções miraculosas, promovidas por forças superiores, sejam do além ou de instâncias superiores (governo, diretor, chefe, professor, padre, pai-de-santo…)
  • O brasileiro de Sérgio Buarque de Holanda, o “homem cordial”, traz o adjetivo por sua incapacidade de distinguir entre razão e coração, e não pela polidez (viu Alckmin? Você é ignorante!). Citando Klepsidra, é generoso, de bom trato, mas para confiar em alguém precisa conhecê-lo primeiro. “O rigor é totalmente afrouxado, onde não há distinção entre o público e o privado: todos são amigos em todos os lugares. O Brasil é uma sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os homens públicos são formados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o coração como intermédio de suas relações, ao mesmo tempo em que tem muito medo de ficar sozinho.”

Talvez por isso as redes sociais de amizade e compartilhamento de fotos tenham dado tão certo no Brasil. Quanto às informações de catástrofes, essas sim continuam dependendo da ação de fontes oficiais, porque o blogueiro brasileiro, assim como o homem brasileiro, tem dificuldades em se lançar à realidade para construi-la —porque construir a realidade é modificá-la, dobrá-la, torcê-la, ter uma visão sobre ela, tarefa difícil para quem tem a cultura que tem, não tem o estudo que deveria e tudo isso com o medo de contrariar, ser impopular, ficar, enfim, sozinho.

Por isso, a maior parte da blogosfera ainda prefere citar em vez de criar. E, insisto, o mesmo aconteceu com o terremoto em São Paulo, com que tantos defensores da colaboração se empolgaram —basta consultar linha do tempo da tag #terremotosp do Twitter para ver que o primeiro registro fala sobre uma notícia vista na GloboNews… enquanto isso, um ou outro nerd trocavam interjeições, e os espertalhões rendidos ao marketing já “monetizavam” (bleargh!) o acontecimento… esta é a revolução? Se só vamos substituir o egocentrismo televisivo por outro, se o Andrew Keen está certo ao dizer que “a nova mídia somos nós, nosso narcisismo coletivo“, prefiro desligar TV e PC e voltar aos meus livros.

Enquanto o “primeiro post do terremoto no Twitter” revelando a escala e confirmando a ocorrência não for de autoria do físico responsável pelo sismógrafo da USP (ou de seu estagiário), não acredito na colaboração nem na Web social passando à frente da mídia de massa no Brasil.

O dia em que isso acontecer, aí sim teremos começado alguma espécie de revolução —esta, talvez, mais abrangente.

7 comentários sobre “Ética afrocatólica e o espírito brasileiro (ou por quê falta engajamento à Web social brazuca)

  1. Um cara que quer que desliguemos a Wikipedia e o YouTube não deve ser levado a sério por quem escreve um blog.

    E como eu disse no meu texto sobre a revolução (que já iniciou, e não pode ser revertida) o primeiro post do Twitter sobre o terremoto foi feito enquanto o mesmo acontecia , impossível dizer, de cima de um apartamento, dados científicos sobre um abalo sismico.

  2. Oi Marcos,

    Creio que o princípio do blog e da “nova mídia” é exatamente levar a sério qualquer um. Inclusive quem pense ao contrário. Eis a virtude da democraria… ;-)

    E sobre a revolução —se alguém posta que sentiu o terremoto de seu apartamento, ok, isso é impressão, não “jornalismo colaborativo”, mídia social, etc. Isso é conversa de sala de bate-papo. Mão substitui a mídia. Só substituiria se fosse além da mera impressão —e se quem postasse não estivesse trancado do alto de seu apartamento…

    Abraço

  3. Essa coisa de “revolução” parece de vanguarda, mas é bem anacrônica. E normalmente parte de quem não sabe como são as etapas de construção da notícia. Pior é que jamais saberão. Meio Jay Rosen, meio TPFKATA.

  4. Caro Madureira. Concordo com você quando diz que “o internauta brasileiro é muito menos ativo na criação de conteúdo que o norte-americano”. Seu lado “sociólogo palpiteiro” explica muito bem a sua constatação. Parabéns pelas observações e boa sorte no mestrado!

  5. Pingback: Yasodara » Revolução pra quem?

  6. Oi Madu! Discussão relevante, olhar crítico, muito bom. Só não concordo em colocar a regilião afrobrasileira no meio – a católica sim, acho que somos um povo cercado por “culpas” e por “se eu me arrepender de verdade, serei perdoado”, o que leva, sim, a uma certa inércia; mas a afrobrasileira até que as pessoas são mais ativas, precisam “fazer” coisas para conseguirem outras. Enfim…hasta, besos

  7. opa… caí aqui seguindo um teet do dpadua que apontava pra um post no blog da yaso. o que equivale a dizer que vim parar aqui seguindo duas citações. achei um insight interessante no teu post: a gente se apropria das tecnologias de maneira diferentes dos nortamericanos. até aí, eu concordo, sem dúvida. mas depois senti um certo julgamento desse tipo de comportamento, como se “produzir conteúdo” fosse mais importante do que, digamos, gerenciar relações. discordo. citar não é uma maneira específica de criar, bastante pertinente nos dias de hoje? eu tenho a impressão de que o Brasil é muito mais de ‘conversa’ do que de ‘declaração’, e isso faz toda a diferença…

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