Newscamp, desafios do jornalismo e da colaboração

Foi muito legal participar do Newscamp 2008 neste sábado, no espaço Gafanhoto, em São Paulo, a convite da mãe-coruja Ceila Santos. Ainda conheci pessoalmente o Edu Vasques e o Inagaki, além de ter esbarrado de novo com o recém-conhecido mas já admirado Rodrigo Savazoni, com a Analu Araújo e com a Fabiana Zanni. E foram muitos os assuntos bacanas que emergiram.

Participei de uma “desconferência” (ah, essas modas pós-modernas…) sobre os desafios do jornalismo em tempos de Web ao lado do Savazoni e da Renata Freitas, ex-Reuters e atualmente dirigindo uma das redações do Estadão. Choque de gerações? Talvez. A Renata, com 41 anos de idade e provavelmente duas décadas ou mais de profissão, enxerga o jornalismo de uma forma bastante tradicional. Faz um ótimo jornalismo —acompanho seu trabalho desde a época da Reuters, quando eu ainda estava na Folha Online. Mas até por causa de suas áreas de cobertura —Economia e Internacional—, talvez ela esteja mais ligada à ala mais institucionalista do jornalismo.

Desde os idos anos 1980, quando as redações dos principais jornais de São Paulo iniciavam seus processos de modernização no fim da Era Militar, os chefões de redação consideram Política e Economia como as chaves do jornalismo. O resto sempre foi perfumaria —nunca fiz uma contagem exata, mas a impressão que tenho sobre os assuntos que pairam na manchetes de Folha e Estadão só faz confirmar isso.

Bem, onde quero chegar com isso? Os jornalistas de Economia e Política têm essa visão tão tradicionalista porque sempre foram a principal interface entre iniciativa privada e órgãos públicos. Acreditam-se fundamentais na sociedade porque têm uma vasta lista de fontes nestas áreas —circulam também entre as pessoas de mercado de capitais, estão sempre presentes às boquinhas setoriais, têm relações muitas vezes perigosas com a corte em Brasília.

É esse tipo de jornalista que, vejo, está ameaçado com a Internet. Porque, apesar de saber o que é lead, não entende que o público não precisa mais dele para chegar à iniciativa privada —que, em tempos de Web, faz o caminho inverso e tende a ir até o público por blogs e outras ações institucionais e publicitárias pela rede, coisas tão marketeiras como as quais o próprio noticiário está sujeito a absorver. E os órgãos públicos, ainda atrasados em relação à Era Virtual, tendem cada vez mais a uma presença virtual consolidada e (por quê não?) participativa (vide exemplo de Belo Horizonte).

OK, um ponto em comum entre as visões tradicionalista e virtual do jornalismo é a importância da credibilidade. E isso talvez faça o público querer vir até um noticiário comum (ainda que via Web) em vez de usar a Wikipedia ou o Google. Mas ainda acredito que, com a quantidade de jornalistas trabalhando como analistas de negócios em empresas de tecnologia, não demora para que surjam websites ou outros mecanismos de software social de leitura e produção de informação capazes de suplantar o que uma redação inteira é capaz de fazer.

Tudo isso porque, acredito, o jornalismo é um jogo. Como todo jogo tem regras, ele pode virar software. Ainda mais quando o jogo começa a ficar cada vez mais previsível e plano —assim como o jornalismo que a sociedade brasileira (e quiçá a sociedade capitalista ocidental) produz.

Colaboração

Outra discussão bacana aconteceu no segundo andar do casarão da região do Jardim Paulista, em São Paulo. Os desafios da colaboração virtual no campo do jornalismo. Também aqui fica patente que os jornalistas ainda não sabemos como nos posicionar frente à produção de conteúdo por parte do leitor. A Analu Araújo, com uma visão bastante equilibrada, conduziu o debate e deu o tom da discussão quando o assunto era moderação de conteúdo e contato com o usuário. Exemplo interessante: enquanto os jornalistas querem mais caçoar das derrotas de Rubinho, o internauta do Limão, por exemplo, manda mensagens de apoio ao corredor. O mundo não é exatamente como o jornalista quer que ele seja.

O que me intriga ainda, no entanto, é que muito do “colaborativo” no Brasil e reativo —e não pró-ativo. É preciso primeiro que a imprensa tradicional noticie que o Speedy caiu para que, depois disso, sites interativos questionem o internauta e peçam a ele que divida sua experiência. Na minha visão, isso ainda é colaboração 1.0, ainda é deixar a mídia no centro do palco, apenas trazendo novos personagens ao material jornalístico —na verdade, barateando o custo de “encontrar” personagens, mas chamando-os a manifestarem-se por si próprios.

Isso não é colaboração, não é Web 2.0. É o mesmo que chamar um grupo de discussão fechado, cujo tema é definido pelos administradores do site, de “Interação”. Se o pensamento jornalístico mais tradicionalista compara a colaboração a um show de calouros, esse tipo de “diálogo” controlado com o internauta me lembra um show de ventríloquos. A mídia continua ditando a agenda, ainda incapaz de absorver aquilo que o público pensa ou quer discutir.

Pergunto-me se essa mudança depende apenas de uma mudança de mentalidade dos meios, ou se depende da sociedade, de uma forma mais ampla, demandar esse tipo de abertura. Algo que ainda vejo distante do brasileiro mediano, ainda muito dependente do controle remoto.

9 comentários sobre “Newscamp, desafios do jornalismo e da colaboração

  1. Olá Madureira, muito legal as conclusões que teve do NewsCamp, principalmente, esse olhar sobre a evolução de cada jornalista diante da editoria em que atua (acho que demorei tantoooooo para conseguir fazer minha metamorfose porque fui criada na área de telecom tão política e corporativa). Mas gostaria de dar meu pitaco sobre sua pergunta: a mudança depende de todos, não só do meio, dos jornalistas, da diretoria dos grandes grupos de mídia e também da sociedade. Eu tenho a sensação de que a sociedade em rede tem evoluído de forma assustadora. Minha rede de mães já têm profissionais de mídia que atuam em seus blogs de forma extremamente Web 2.0, com muita conversa, informação e com uso de diferentes mídias ( leia-se aúdio, vídeo, foto e texto) como há ainda aquela que não sai do Orkut por nada nesse mundo. Os blogueiros que já venceram o desafio da audiência buscam cada vez mais agir como profissionais da informação não só opinando, mas também apurando informações para seu público. Sinto ainda que há uma vontade entre os jornalistas de fazer diferente, porém a resistência cultural do ambiente, das regras ainda impedem muitos inovadores fazerem diferente. Eu, do meu lado marginal (frila e empreendedora na área colaborativo com site de nicho) sinto que já posso encontrar com companheiros que poderão dar chance a expressão social de forma mais organizada. Porém, nós teremos um desafio que talvez possa impedir essa evolução: viabilidade econõmica. eis o retrato que vejo da mudança de agora. Bjkas e até próxima!

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  3. Mandou muito bem, Madu! Adorei a análise do jornalismo de Política e Economia. É essencial refletirmos sobre isso e do papel do que se chama “Jornalismo”.

  4. Fala Madu, mandou bem mesmo, acho que é bem por aí. Eu fiquei um pouco frustrado com o evento (escrevi sobre isso no meu blog) pelo tom da maioria das discussões, meio de lamentação. Acho que nunca foi tão fácil questionar o establishment quanto hoje. Isso já acontece, e tem provocado reações, em quase todas as atividades criativas, mas sinto que ainda questionamos pouco a imprensa e, por conseqüência, a formação da opinião pública, tão importante no desenvolvimento da democracia. Por isso, sugeri que, da próxima vez, em vez de papo, deveríamos partir para a ação, fazer algo, discutir possibilidades. Ótimo comentário, manteremos contato. Abraços.

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  6. Oi, Madu, obrigada pelo comentário. Foi interessante a discussão, mas (confesso não entender bem de desconferências) mediadores bem preparados e/ou vários convidados são importantes para acalorar e manter o debate em alta. bj

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